sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

DIÁRIO DA VIAGEM INAUGURAL DO M/T BRITTA THERESA - PARTE 3

PARTE 3
 
2ª Feira, 13 de Outubro, 22º dia de viagem...
A máquina continua com problemas, muito mau combustível que faz com que os filtros fiquem tão encravados que falta combustível á máquina. Aliás o combustível é tão mau que parece alcatrão.
Cá fora vi umas tartarugas, passámos ao lado delas mas não tinha a máquina comigo e não as fotografei. Consegui sim, foi apanhar o maior grupo de golfinhos que vi em toda a minha vida, era um grupo enorme, todo concentrado a caçar, deviam estar á volta de algum cardume enorme.
Estamos a passar ao largo do Sri Lanka, temos sinal mas não tenho rede, não deu para falar.
Comecei a introduzir os dados da manutenção no sistema mas vou ter que interromper, tenho que pôr o incinerador a trabalhar em manual para queimar o mais possível. Aproveito para fazer o inventário no armazém ao lado, vai ser o dia todo no incinerador mas tenho que ajudar a dar uma solução á aquela merda.
E vou ouvindo a Enya…
Vou tentar mandar á socapa a 1ª parte do diário.


3ª Feira, 14 de Outubro, 23º dia de viagem...
Ontem á noite tive uma ideia genial para ter o incinerador a funcionar. Uma vez que devido ao desalinhamento a célula não lê então porque não dar a volta ao problema? Simples, com a célula sobressalente fiz uma instalação de modo a que ela possa ler a chama através do postigo de observação. Desliguei do quadro a célula original e liguei a sobressalente e fixei-a com fita isoladora negra ao postigo de modo a que ela só leia informação da fornalha e não da luz da sala. Arranquei com o sistema e aquilo até trabalhou e voltou a alarmar falha de chama. Furioso, lancei o sistema outra vez mas desta feita amarrei a célula á minha lanterna e fiquei sentado uma hora e meia até começar a queimar sludge, e fui estudando a chama do queimador de diesel e cheguei á conclusão que não é só alinhamento mas também a chama vacila muito, não é estável. Aos 650ºC aquilo começou a queimar sludge e eu pus a célula apontada outra vez ao postigo, com sludge a chama era mais estável. Aos 850ºC o sistema desliga o diesel e queima só sludge, pelo menos na teoria, nesta caso alarmou outra vez falha de chama o que quer dizer que o sistema é mesmo uma m****. Mas como sou teimoso, não é á toa que alguém me chama de hiena, amanhã vou desmontar o queimador só para tirar dúvidas, acho que não vai adiantar nada mas tenho que limpar essa questão, inspecciono o queimador, limpo-o, tentarei realinhar a abertura da leitura de chama e tentarei novamente. Se falhar faço um relatório a dizer que não perco mais tempo com equipamentos de merda. É a que a manutenção, o inventário e etc. está por fazer por causa destas merdas. Além de que sou constantemente chamado a dar uma mãozinha ao pessoal da máquina.. e lá os vou safando.
Afinal desmontei-o hoje e além do desalinhamento descobri que os cabos dos eléctrodos (da ignição) estavam á frente da célula, nem se deram ao trabalho de montar como deve ser, atiraram lá para dentro e prontos, excelente controlo de qualidade. limpei o bico do queimador e montei aquela m**** toda outra vez, pu-lo a trabalhar e alarmou outra vez “falha de chama”, desisti, não mexo mais nesse equipamento, estive 8 horas na casa do incinerador com temperaturas muito altas, fiquei de rastos, estou de rastos, estou muito cansado e sem forças.
A meio da manhã o 2º maq. veio falar comigo e disse-me que a temperatura do fuel estava baixa, eu disse-lhe para verificar a saída de vapor do aquecedor. Mais tarde o primeiro comentou, muito preocupado, que o viscosímetro estava a 35, devia estar a 7 e que a temperatura estava baixa. Fui lá ver e depois de ver o sistema, especialmente a saída de vapor que até estava fria, abri o by-pass á válvula “steam trap” e a viscosidade começou logo a cair. O “steam trap”, válvula que só deixa passar os condensados e não deixa passar o vapor, tinha-se encravado e a aquecedor já não fazia nada. Estava assim há já um ou dois dias e não tinham ligado a queda da temperatura a uma avaria do aquecedor. Ontem tinha sido a depuradora, incitei-os a abri-la para limpeza e até lá estive a desmontá-la, um calor do caraças, e depois viram que estava toda suja e que assim os filtros ficavam uma desgraça, hoje já estavam a limpar a 2ª depuradora, elas têm de ser limpas semanalmente, especialmente quando o fuel é de má qualidade como o nosso. As nossas depuradoras não eram limpas há já 20 dias e com os chineses com certeza que também não foram limpas. Estas alminhas estavam á espera que ela deixasse de depurar mas elas deixaram de depurar mas não deixaram de bombear, apenas bombeavam o fuel sem o limpar.
Enquanto estava no incinerador dei um avanço ao inventário pois o paiol é mesmo ao lado e nos tempos mortos ia inventariando e dando ao mesmo tempo uma espreitadela ao incinerador. Ver se consigo cumprir os meus objectivos mas está a ser difícil pois tenho sido muito solicitado para a instalação e eu tenho mesmo que dar uma ajuda ao pessoal, eles estão rebentados também e têm 30 anos… mas acho que a questão da depuradora e do aquecedor é capaz de fazer diminuir substancialmente o trabalho dos filtros e isso já os alivia bastante.
Depois do jantar fui á proa e fotografei mais uns peixes voadores e o pôr-do-sol, estava bonito como de costume. Depois do jantar dei um salto á ponte e já estava escuro. A lua cheia estava linda como de costume, fiquei ali a admira-la uns bons momentos e voltei para o camarote. Estou neste momento a ouvir Bizet pela orquestra sinfónica de Hamburgo e vou-me estender um bocado…


4ª Feira, 15 de Outubro, 24º dia de viagem...
Hoje de manhã fui apenas acabar o inventário que tinha começado ontem quando o 2º máq. perguntou onde era o disjuntor do ventilador da casa da máquina, mostrei-lhe e ele ligou-o. Mal tinha acabado de o ligar e lançar o ventilador, no momento em que se preparava para se afastar o quadro eléctrico explodiu. Eram alarmes por tudo o que era lado, a máquina principal começou a arrear-se, estava sem circulação e mais uma data de sistemas.
Lá pus a máquina em baixo regime e abri o quadro. O disjuntor estava todo chamuscado e eu fartei-me de dizer nomes a mim mesmo, eu sabia que isto podia ter acontecido, já tinha avisado o pessoal para esta eventualidade e hoje distraí-me um bocado e pronto, a merda aconteceu. O que aconteceu é muito simples, o disjuntor tinha disparado porque tinha um dos contactos mal apertados e quando o ligámos o contacto aguentou uns segundos e deve ter-se soltado e provocado um curto-circuito, estavam duas fases tocadas. Os chineses deixaram-nos uma data destas armadilhas e eu já os tinha avisado. Só tenho a desculpa do cansaço, estou realmente muito em baixo e noto na tosse constante e ás vezes estou a falar com os outro e começo a falar português, um sinal de cansaço. Tivemos que refazer o contacto queimado pois não tínhamos mais nenhum disjuntor igual e repôs-se a situação. Fui acabar o inventário e fui para cima.
Á tarde foi ler manuais e começar a estruturar os procedimentos de manutenção.
Depois do jantar vou dar a minha voltinha até á proa, ando 50 metros e estou na proa e por lá fico quase uma hora a respirar ar puro e a ver o mar. Se tivesse uma poltrona sentava-me nela e deixava-me dormir, é muito repousante.
Estou a ouvir os ABBA, já há muito tempo que não os ouvia.
E entretanto como ainda era cedo pus-me a programar um bocado, fiz uma pequena aplicação para calcular interpolações, útil para as sondagens dos tanques e respectiva leitura das tabelas… e também uns relatórios sobre a instalação. Vou descansar, é que agora estou a ouvir Boccelli…


5ª Feira, 16 de Outubro, 25º dia de viagem...
Estou mal disposto, deve ser o resultado de tanto exotismo na alimentação, estou mesmo meio enjoado, vou ter que fazer dieta… entretanto vou ouvindo a Cher com a sua voz rouca um quanto ou tanto sensual, piçalhuda, em boa linguagem de marinheiro.
Por enquanto não há novidades, está tudo a correr normalmente, aparentemente a questão das depuradoras e do aquecedor ajudou a ultrapassar um bocado o problema do combustível.
Agora estou a introduzir procedimentos de manutenção no sistema, já fiz parte dos geradores e agora estou na máquina principal.
As notícias da zona de Aden não têm sido muito animadoras, ataques de piratas e navios sequestrados tem sido o dia a dia, e o engraçado é o aviso que eles estão a atacar especialmente novas construções, este é um alvo ideal para eles, é novo, carregado com uma boa carga, baixinho, fácil de subir e lento, apenas 13 nós. Está tudo na expectativa e eu, quando estivermos nessa zona vou-me plantar na ponte com a minha máquina e se houver alguma coisa vou tentar fotografar, entretanto farei alguns preparativos para o caso de assalto, dinheiro escondido, back-up no disco pequeno e escondido, etc. etc., mas realmente não me está a apetecer nada estar-me a expor a estas m****s sem possibilidade de defesa, detesto esta política de fazer das pessoas patos para tiro ao alvo enquanto que as autoridades nada fazem. Se eu tiver uma Kalashnikov para me defender posso ter problemas com as autoridades mas os piratas atacam quase impunemente. Se tivesse uma “kalash” bem podem ter a certeza que mal um gajo tentasse entrar levava logo com um orifício na testa e a seguir seria a embarcação dele a ficar toda furada, enquanto tivesse munições aqueles caramelos não levantariam a cabeça na embarcação. Se não me quiserem dar uma “kalash” aceito uma G3, tem um bom poder de fogo, 3 carregadores em cima de uma embarcação de certeza que a metia no fundo, pelo menos não se ficariam a rir. Mas não, tenho de seguir viagem para uma zona de altíssimo risco com instruções de pôr as defesas passivas em cima, ou seja, fechar as portas e preparar as mangueiras de incêndio, ridículo…
E assim se passou mais um dia, hoje atrasamos mais uma hora, fica-se só com 4 horas de diferença de Lisboa, estou a ouvir um bocado de música e depois vou-me deitar.
Na minha ida habitual á proa depois do jantar encontrei um pássaro, muito parecido com os guarda-rios que estava pousado num molinete, nem fugiu quando me aproximei, estava extenuado e fraco, coitado do bicho, amanhã já deve estar morto.
Hoje consegui dar um grande avanço ao meu trabalho de implementar a manutenção mas foi á custa de uma grande dor de cabeça, doeu-me a cabeça o dia todo, talvez figadeira…

6ª Feira, 17 de Outubro, 26º dia de viagem...
E cá estou eu outra vez… é pena é serem horas de jantar e vou ter que interromper… já volto. Ah!!! Estou a ouvir Diana Krall….
Dia normal, trabalhei na manutenção e o dia passou. Está a chover e o tempo está um bocado agreste mas nada de especial.
Fui fazer uns testes ao VDR (sistema maluco de registo de tudo, coisas da segurança) que estava a dar erro. Eu e o chefe seguimos os passos todos fornecidos por um técnico de terra e quando voltámos a ligar aquela coisa ela estava mais morta que uma múmia, nem sinal de nada. Voltou-se a fechar e mandou-se a mensagem para a companhia que aquilo estava morto.
E não escrevo mais nada, vou dormir que já é tarde….

Sábado, 18 de Outubro, 27º dia de viagem...
E a tensão aumenta, estamos a aproximar-nos da ilha de Sokotra, Somália, o início da zona dos piratas. Felizmente que o tempo está um bocado agreste pois isso ajuda-nos a evitar possíveis abordagens.
Hoje apareceu um falcão no navio e eu fui a correr tirar umas fotos do bicho e cometi o erro fatal de accionar o zoom. A lente tem estado no interior, ar condicionado ou seja frio e seco. Quando accionei o zoom no exterior bombeei ar quente e húmido para dentro da lente o que fez com que se embaciasse imediatamente. Agora está com uns pontos que eu espero que sejam de humidade e não de fungos ou sólidos. Está agora em cima da minha cama para ver se seca. Não me posso esquecer que quando vou lá para fora tenho de accionar o zoom no interior e deixar que as temperaturas se equilibrem para poder acciona-lo lá fora.
O navio parece que acalmou, realmente com as depuradoras limpas e a temperatura em condições isto anda um bocado melhor. Engraçado, como eles é que têm estado a controlar os parâmetros e eu a tentar fazer a parte de organização eu não dei pela queda dos valores da temperatura do fuel e o 2ºmáq dizia-me sempre no seu inglês muito macarrónico que estava a 140ºC. Quando chefe se queixou que a viscosidade estava altíssima e eu lhe perguntei pela temperatura é que me disseram que estava a cair muito. Claro, com a temperatura baixa, os filtros encravam-se mais depressa, muitas parafinas. Foi uma questão de cinco minutos, fui á casa da máquina, olhei para os aquecedores, abri o by-pass e a temperatura subiu imediatamente, tinha o steam trap encravado, eu já contei este episódio mas estou a ficar velho e a repetir-me. E a partir desse momento as coisas começaram a melhorar. Como também já tinha iniciado a limpeza da depuradora o chefe viu que era melhor apostar nesse campo e as coisas melhoraram mesmo muito. Espero que continue assim pois isto já estava a stressar muito. Só quero mesmo é chegar ao Suez para ir para casa.
Vou trabalhar mais um bocado… agora trabalho para passar o tempo e deixar alguma coisa feita.
Tive quer parar um bocado, deu-me uma canseira enorme e também ainda não parei de ir á casa de banho e parece-me que saiu um bocado de areia. Os meus rins tem-me estado a dar sinal, esta noite dormi mal e agora estou muito ensonado.
Atrasou-se mais uma hora, estamos agora a três horas de diferença de Lisboa.

Domingo, 19 de Outubro, 28º dia de viagem...
Entrámos no Golfo de Aden e entrámos também em stress. Logo pela manhã, pelas 10 quando fui á ponte, o comandante disse-me que tinha havido um encontro entre piratas e forças da coligação a 50 milhas do nosso navio, as coisas andam quentes por aqui. Instalámos as mangueiras para defesa do navio e seguimos com quartos dobrados na ponte para reforçar a vigia.
Acabei de fazer os procedimentos de manutenção da máquina principal e inseri no programa, fiz também os das caldeiras. Amanhã vou fazer mais uma data deles.
Entretanto recebi uma chamada de casa e tagarelei um bocado. Não estava muito efusivo pois ando um bocado chateado, ando cansado e tenho começado a sentir a moinha dos rins outra vez além de que hoje já fui umas quinhentas vezes á casa de banho, tenho sempre a bexiga cheia, esta merda começou outra vez há dois dias e está a aumentar.
Só terça-feira é que nos vamos ver livres desta área de alta tensão mas eu só descanso mesmo quando chegar ao Suez. Relaxo um bocado em Jedah mas não confio nestas águas. Vi um artigo numa Newsweek sobre a pirataria nesta zona, passei-o no scanner e talvez publique parte no meu blogue, aliás vou ver se encontro link na Net para ele. O artigo é engraçado, pois diz claramente que os americanos com o suporte aos warlordes da região para lutarem contra um governo pró iraniano ou coisa que o valha fizeram recrudescer a pirataria, ou seja, eles financiaram e ajudaram os piratas. Porque é que esses gajos só fazem merda????
Não comentei com familiares e amigos a questão da falta de segurança neste troço da viagem, saberão depois, não precisam de se preocupar.
Vou fazer um chá e venho bebe-lo para aqui e quando acabar vou-me deitar…
Entretanto vou ouvindo a Enya…
Tomei um Ben-U-Ron, estou com uma dor no cotovelo direito e não é dor de cotovelo, parece ser algo como uma dor de articulação, tipo gota ou algo parecido. A comida tem tido muita pimenta… vou descansar…

2ª Feira, 20 de Outubro, 29º dia de viagem...
Em pleno Golfo de Aden… acordei cedíssimo e já mijei três vezes e ainda são 06:30 da manhã… sem comentários….
Entretanto o dia foi passando. De manhã segundo soube houve vários incidentes com embarcações rápidas á volta de vários navios. Nós ouvíamos pelo canal 16 os pedidos de ajuda / avisos ás forças da coligação. Não sei porque não afundam de vez esses filhos da puta, numa zona destas embarcações a 20 nós a aproximarem-se de navios só podem ser piratas ou gajos com más intenções, era mete-los no fundo e perguntar depois. Mas não… coitadinhos dos pretinhos, não podemos fazer mal, temos de levar porrada primeiro e só assim é que são considerados forças inimigas, como eu gostava de ter uma arma comigo, ia para a proa caçá-los, ando com uma adrenalina enorme só que estou totalmente indefeso.
E depois para ajudar, estava eu todo contente a fazer mais uns procedimentos de manutenção quando o comandante me disse que estavam a fazer os possíveis para eu desembarcar em Jedah. Claro que a vontade de trabalhar caiu a zero, isso significa que eu iria para casa uns dias mais cedo o que seria óptimo pois dava-me mais uns dias de descanso antes de voltar ao Galp Marine onde o meu colega me espera aos saltos. Deve estar-me com uma raiva enorme, já lá está há dois meses.
E estive a fazer um bocado de investigação na distribuição eléctrica e descobri que uma bomba que tem um comportamento estranho e eu não consigo perceber porquê, descobri que os esquemas da instalação são do género do gostava que fossem assim mas não são…
Sou muito culto, estou a ouvir Beethoven pelo Herbert von Karajan, cultíssimo…
Esperando pela confirmação se vou ou não em Jedah, Jimmy aos saltinhos…

3ª Feira, 21 de Outubro, 30º dia de viagem...
Voltei a acordar cedíssimo, eram 5 da manhã e já estava de olho aberto, ás 6 resolvi ir para a ponte tomar um chá e tagarelar com o imediato. Entretanto o dia nascia e começávamos a ouvir vários navios a pedir a intervenção das forças de coligação, vários speedboats a aproximarem-se em alta velocidade.
Até que começámos a vê-los também no radar e eles a aproximarem-se. Houve um que fez uma tentativa de aproximação pela ré mas desistiu.
Por volta das 11:00, já fora da zona considerada perigosa, aproximou-se de nós, em alta velocidade, uma embarcação cheia de pessoas, aproximou-se até uns 200 metros, eu estava na asa da ponte com a minha máquina fotográfica coma lente de 300mm e um duplicador (equivalendo a 600mm) e ia tirando fotografias. Quando estavam já muito perto começam a mudar de direcção para se porem paralelos ao navio e começam a acenar com objectos na mão, a adrenalina subiu, acho que a minha mulher tem razão em não me deixar ter uma arma em casa, se tivesse uma nessa altura os gajos teria sido varridos da face da terra, foi quando me apercebi que os objectos eram peixes, estavam a tentar vender peixe fresco a um navio lançado a 13 nós numa zona de alto risco. A tensão baixou mas fiquei o resto da manhã, e ainda agora a sinto, com a adrenalina no corpo, foi intenso. Mais tarde (para mim há 5 minutos, um pouco antes de escrever esta parte) estive a ver as fotos e as caras dos gajos na pequena embarcação, a maior parte deles, eram 6, eram rapazolas com ar infeliz pois não tinham tido sucesso na venda. Estes eram mesmo pescadores pois, a esta distância, se fossem piratas teriam disparado e entrado a bordo, este navio é fácil de ser abordado pois é baixo. Ainda estou em modo de combate…
Recebi mais uma mensagem dizendo que estão a tentar que eu desembarque em Jedah, já não faço mesmo mais nada, já não há clima mesmo…
…….
E acabei de receber os detalhes de voo, preliminares ainda mas está tudo a correr no bom sentido. O voo é para dia 24 ás 00:55hr o que significa que me piro a 23, depois de amanhã… quem vai ficar muito contente são os meus dois gatos, já devem estar a miar de impaciência.
E assim se passou mais um dia… estou a agora a ouvir a minha amiga Norah Jones… e apenas tenho para acrescentar que depois do jantar fui fazer a minha visita rotineira ao castelo da proa apanhar o meu pedaço de oxigénio e ao mesmo tempo isolar-me do mundo. Na proa com o vento a dar-me na cara a única coisa que oiço é o próprio vento e alguma marulhar do mar contra a proa do navio e a minha vista apenas vê o azul do mar e o azul do céu, é o momento em que me sinto isolado do mundo, isolado de tudo, sou apenas eu e as minhas memórias e cogitações e o tempo passa sem eu dar por isso. Ás vezes quando dou por mim já está escuro como breu, quase não se distingue o horizonte, aí retiro-me e volto para ré, para os casario e venho recolher-me ao camarote onde oiço Norah Jones e escrevo as minhas memórias. E como ia dizendo, hoje fui apanhar o meu pedaço de oxigénio mas, antes de chegar á proa vi o mar a ferver e então reparei que na amura de bombordo o mar fervia de atuns que saltavam loucamente, fiquei um bocado parado a assistir ao espectáculo que passava rapidamente por bombordo e continuei até á proa. Mal me tinha instalado quando reparo que a uns 100 metros á frente novo cardume de atuns saltava alegremente como que a cumprimentar-me. Diverti-me a vê-los ás piruetas e lá passaram por baixo do navio. De vez em quando ainda se via um lampejo de um peixe mais irrequieto, o Mar Vermelho parecia cheio de vida até que escureceu e as coisas acalmaram e fiquei só comigo mesmo, eu e os meus fantasmas…
E agora estou cheio de sono, isto de acordar ás 5 da manhã começa a pesar… é verdade, hoje os meus rins portaram-se muito mal outra vez.

Só acrescentar mais uma opinião, idiota para alguns mas que se lixe. Depois de ver estas embarcações, muito semelhantes ás utilizadas pelos piratas uma coisa é certa se tenho uma automática os gajos ficam mesmo em desvantagem pois como se pode ver pela foto não têm muito por onde escapar nem abrigar-se. Uma arma seria o suficiente… seria tão simples…. Só é necessário alguém com coragem suficiente para se defender… eu tê-la-ia pois não gosto de ficar á espera que me venham buscar, prefiro ser o caçador a ser o caçado… hummm!!! Parece que ainda estou em modo de combate….


4ª Feira, 22 de Outubro, 31º dia de viagem...
Hoje acabei as últimas tarefas que tinha iniciado, já não vou começar mais nada, já estou com a pica de me ir embora.
A seguir ao almoço fui até á proa ver o mar mas decidi não levar a máquina fotográfica, foi um erro, apareceram montes de golfinhos aos saltos na proa e eu sem poder fazer nada, apenas observa-los. É sempre um muito belo espectáculo, sacana dos bichos.
E não fiz mais nada… deixei-me ficar por aqui uma vez que recebi o meu bilhete electrónico. Ia mesmo sair amanhã em Jedah…

5ª Feira, 23 de Outubro, 32º dia de viagem...
Finalmente ancorados em Jedah. Apareceu o navio para abastecer o nosso de bancas (fuel) e coisa engraçada ele era quase maior do que o nosso.
Depois do almoço chamaram-me, estava uma embarcação á minha espera para me levar para terra. Tomei um banho rápido, fiz a barba, umas despedidas rápida e saltei para a embarcação. E saltar foi mesmo o termo pois a rapariga com a ondulação andava para cima e para baixo com uma amplitude de uns dois metros pelo menos. Desci pela escada quebra-costas e quando a embarcação veio para cima atirei-me lá para dentro, depois foi recepcionar a bagagem.
A viagem para terra demorou uma hora e apesar de estar fechado na cabine cheguei com os óculos cheios de sal, aquilo abanava e bem e o mar entrava por todos os lados.
A viagem, a parte marítima acabou aqui mas as peripécias continuaram pois com a pressa tinha-me esquecido que desembarcar na Arábia Saudita é um episódio. Primeiro eram as garrafitas de Motai e Whisky chinês na bagagem, produtos considerados como altamente perniciosos pela sociedade saudita logo serem punidos severamente. O gajo que me revistou a mala não as encontrou nem sei como, eram umas garrafitas tipo amostra. Depois foi o episódio pornografia, se eu tinha CDs ou DVDs de pornografia, se eu tinha pornografia no laptop ao que eu jurei a pés juntos que não. E tinha acabado de jurar quando me lembrei de uns filmes de moral duvidosa que eu tinha no disco externo, coisas do tempo dos petroleiros e aí engoli em seco, na alfândega eles costumam ligar os laptops para espreitar, são mesmo chatos. Muito calmamente, quando o agente foi a um escritório preparar uns papéis, fui até á mala, saquei o disco externo e pus no guarda luvas do carro. Na alfandega passaram a minha bagagem pelo raio  x e…mandaram-me embora, deviam estar cansados. No carro voltei a guardar muito calmamente o disco externo e fui conduzido ao hotel, aí a primeira coisa que fiz foi ligar o laptop e apagar as ordinarices todas.
E fui apanhar o avião para Londres de onde partirei para Lisboa…
….


Publicado no SOL na quarta-feira, 29 de Outubro de 2008 10:17

Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma gaivota disse: