quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A noite em que paralisei

Jovem praticante de maquinista da marinha mercante, jovem inconsciente que fez o seu primeiro embarque logo como oficial de quarto no navio Cabo Verde da CNN.
O Cabo Verde era um navio de 5000 tons com uma máquina MAN de 4050 Hp com casario a meio navio, tinha dois porões a vante e um a ré do casario. Tinha ainda um pequeno castelo á popa que era alcunhado de o Tarrafal. Compreendi o porquê dessa alcunha na primeira vez que lá fui num dia de mau tempo em que o navio fazia um belo balanço em parafuso.

Já lá estava há um certo tempo, já era um veterano de 3 ou 4 meses de embarque e sempre muito voluntarioso. Como pessoa eu era um indivíduo que não chegava aos 70 kg de magro que era para os meus 1,73 de altura. Era seco e hoje posso dizê-lo, bem rijo.

Era o quarto da noite, das 20h ás 24h e estava como o ajudante a desmontar uma depuradora de fuel para limpeza. Esse trabalho era da responsabilidade do ajudante mas como eu percebia muito daquilo teimava sempre em faze-lo, sempre me ajudava a passar o tempo.
Deviam ser por volta das 22h quando o ajudante foi fazer um coffee break, eu como oficial e responsável não gostava muito de abandonar a casa da máquina, fazia-o algumas vezes mas não me sentia muito confortável. E estando sozinho na casa da máquina achei por bem mudar a taça da depuradora de um sítio para o outro, a taça é uma peça que pesa uma data de quilos, é pesada e aquela eu aguentava com ela agachando-me, agarrando com as mãos e levantando-a com a força das pernas, que foi o que fiz. Então, uma vez içada á força de músculos a taça resolvi rodar o corpo para a colocar no sítio desejado. E assim fiz.
Imediatamente senti um estalo na base das costas, mesmo na parte debaixo da coluna. Não sei o que me aconteceu, perdi as forças e caí para trás ficando sentado no chão com as pernas abertas á volta da taça que não me apanhou uma perna por sorte.
Quis-me levantar e para minha surpresa as pernas não me obedeceram, belisquei-as e nada, estava tudo inerte da cintura para baixo.
Fiquei assim um bocado abananado e então tomei uma decisão, arrastei-me até uma coluna ali perto e encostei-me a ela, acendi um cigarro e esperei.
Passados cerca de 10 a 15 minutos apareceu o ajudante que quando me viu perguntou o que eu estava ali a fazer sentado naquela posição. Expliquei-lhe muito calmamente a situação e tive que o agarrar imediatamente porque ele já ia disparado pedir ajuda.
- Não meu caro, não quero aqui o enfermeiro! Homem com umas capacidades de enfermagem muito duvidosas. Quero que você me ajude a tratar disto.
- Eu estou aqui agarrado á coluna, você vai-me puxar as pernas até eu dizer. Ao meu sinal dá um esticão. Entendeu?
O ajudante chamou-me uma data de nomes em que o mais simpático foi o de maluco mas eu levei a minha avante.
O homem começou a traccionar as pernas e eu a fazer força para me manter na posição, fazer força apenas com os braços até que comecei a sentir uma leve dor na base das costas.
- Agora! Gritei eu…
Ele deu um esticão e senti logo outro estalo. E vieram as dores juntamente com a sensibilidade das pernas.
Levantei-me, sorri, acendi outro cigarro, sim na altura eu fumava, e discuti com o ajudante o que tinha acontecido. Provavelmente com a rotação um nervo devia ter ficado entalado cortando os circuitos para as pernas. Com aquele esticão tinha tudo ido ao lugar.
Arrisquei mas eu sabia que se chamasse por ajuda, só o transporte escadas acima, escada quase a pique pôr-me-ia num estado ainda mais miserável, o enfermeiro se fizesse alguma coisa seria m**** com certeza. Ficar deitado num beliche até chegar a terra que naquele caso seria Guiné-Bissau. Ser tratado por médicos cubanos ou búlgaros cujas histórias que ouvíamos eram de arrepiar os cabelos, ser evacuado num avião para Lisboa. Quando chegasse a um sítio decente arriscava-me a ser tarde demais. Arrisquei o auto tratamento e ganhei… bem fiquei a andar mas hoje tenho uma hérnia discal que me dá que fazer.
E continuei a fazer a minha vida normal… no dia seguinte entrei de quarto novamente.
Estava no ano de 1979, ano em que acabei o curso geral de máquinas.

Jimmy

Publicado no SOL no sábado, 23 de Agosto de 2008 0:19

1 comentário:

Uma gaivota disse: