quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Um caso em Luanda

O que se passou na história que vou contar ocorreu no meu segundo contrato na Angonave, corria o ano de 1983.
O porto de Luanda era um local muito sui generis, tinha os arruamentos atulhados de carga, que ninguém reclamava, pois os serviços eram de tal maneira inoperativos que aquilo apodrecia tudo exposto aos elementos.
Lembro-me de um dia estar no “cantinho das baleeiras”, local onde as baleeiras atracavam quando faziam serviço de lancha para levar tripulantes a terra, á espera do transporte para regressar ao navio que estava fundeado á espera de cais. Enquanto esperava, cheio de fome, encontrei um caixote rebentado com a carga á vista. Um carregamento de bolachas Maria e eu cheio de fome. Discretamente fui até ao caixote para desviar um pacote e assim me bater com elas. Como os gestos eram discretos meti uma bolacha á boca sem a ver o que se mostrou um grande erro, a bolacha estava verde de bolor. Não vomitei a tripas por vergonha e também porque estava mesmo com o estômago vazio. Depois é que percebi que aquele caixote tinha a carga em tão mau estado que nem roubado já valia alguma coisa, por isso estava ali abandonado. Fui passar revista ás outras caixas ali depositadas. Uma das que me chocou foi um carregamento de pequenas embalagens brancas que diziam qualquer coisa como tetraciclina ou uma “ciclina” qualquer. Antibióticos ao sol, coitados dos doente que recebessem uma injecção daquelas.
Mas a história não é para descrever o estado miserável do porto de Luanda na altura, este breve intróito serve apenas para mostrar o ambienta no local.
O governo angolano achou por bem “limpar” o porto de Luanda e para isso encarregou um sujeito, branco, cuja história que me foi contada era a de que tinha sido desertor do exército português em favor do MPLA. Tudo bem, não faço juízos de valor sobre isso. Esse sujeito foi posto no local como director do porto e começou a “limpá-lo”.
Era um sábado á tarde e estávamos atracados, estávamos a acabar o café a seguir ao almoço e conversávamos amenamente, era um dia quente e pachorrento. De repente, um tiro no exterior, logo seguido de berros de dor. Olhámos uns para os outros e ficámos á espera.
Não foi necessário esperar muito, entrou na nossa messe um homem corpulento a começar a engordar, vinha afogueado. Olhou para o comandante e sentou-se á mesa, á sua frente, exclamando:
- Boa tarde, comandante! Estou a ficar velho, estou a ficar velho!!
- Boa tarde Sr. Director! Não está nada velho, ainda está aí um jovem…! Exclama o comandante para o director do Porto de Luanda.
- Bolas, isto está a incomodar-me..! E o Sr. director tira uma automática do bolso das calças, ainda a fumegar, e deposita-a em cima da mesa onde acabávamos de tomar o café.
- Estou a ficar velho comandante! Eu que atiro a matar, e você sabe disso, eu que atiro a matar e só acertei na pata daquele gajo… estou a ficar velho.
Fez-se um silêncio á mesa e todos nós olhamos para aquele indivíduo, não com temor, mas com desprezo por tal tamanho desrespeito pela vida humana.

Jimmy the Sailor

Publicado no SOL na sexta-feira, 15 de Agosto de 2008 12:47

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